A REFORMA TRABALHISTA SOB A ÓTICA CONTRAMAJORITÁRIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
LABOR REFORM UNDER THE COUNTERMAJORITY PERSPECTIVE OF CONTROL OF CONSTITUTIONALITY
Gabriela Mafort Starling1
1 Mestranda em Direito nas Relações Econômicas e Sociais pela Milton Campos
2 Mestre e Doutorando em Direito Público pela PUC Minas
Daniel Guimarães Medrado de Castro2
RESUMO: O presente artigo científico traça uma breve discussão acerca do vínculo entre a democracia representativa contemporânea e a ditadura da maioria, em contraponto com o caráter contramajoritário do controle de constitucionalidade como pressuposto da democracia, dentro da perspectiva introduzida pelas alterações apresentadas pela Reforma Trabalhista, especialmente no que tange ao artigo 791-A, §4º da CLT, que incluiu a possibilidade de responsabilização do empregado ao pagamento de honorários advocatícios no caso de sucumbência, mesmo sendo beneficiário da justiça gratuita. Tal alteração trouxe grande alvoroço entre os juristas, dividindo opiniões sobre os impactos do referido artigo, principalmente após o julgamento da ADI 5766 pelo STF, que declarou a inconstitucionalidade do §4º do artigo em questão. No intuito de enfrentar o tema, será feita uma análise crítica sobre a democracia representativa contemporânea, destacando a importância do controle de constitucionalidade como sistema contramajoritário para o sistema democrático, na medida em que protege princípios constitucionais e impede a exclusão das minorias. Em seguida, analisar-se-á as alterações introduzidas pela Lei 13.467/17, no tocante aos honorários de sucumbência, bem como o julgamento da ADI 5766 pelo STF.
Para tanto, a metodologia utilizada será o método dedutivo; a pesquisa bibliográfica, documental, qualitativa e exploratória.
PALAVRAS-CHAVE: ADI 5766. Reforma Trabalhista. Democracia Representativa Contemporânea. Sistema Contramajoritário. Controle de Constitucionalidade.
ABSTRACT: This scientific article traces a brief discussion about the link between contemporary representative democracy, the dictatorship of the majority and the countermajoritarian character of constitutionality control as a presupposition of democracy, within the perspective introduced by the changes presented by the Labor Reform, especially with regard to the article 791-A, paragraph 4 of the CLT, which included the possibility of holding the employee liable for the payment of attorney fees in the event of loss of suit, even though he/she is a beneficiary of free legal aid. Such alteration brought great uproar among jurists, dividing opinions on the impacts of the aforementioned article, mainly after the judgment of ADI 5766 by the STF, which declared the unconstitutionality of §4 of the article in question. In order to face the issue, the changes introduced by Law 13.467/17, regarding the fees for losing the suit, will be analyzed initially. Afterwards, it will delve into the judgment of ADI 5766 by the STF. Then, a critical analysis of contemporary representative democracy will be made. Finally, an analysis will be made about the dictatorship of the majority and the countermajoritarian system of constitutionality control, highlighting the relevance for the democratic system, insofar as it protects constitutional principles and prevents the exclusion of minorities. Therefore, the methodology used will be the deductive method; bibliographical, documental, qualitative and exploratory research.
KEYWORDS: ADI 5766. Labor Reform. Contemporary Representative Democracy. Countermajoritarian System. Constitutionality Control.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Análise crítica da democracia representativa contemporânea; 3 Breve panorama acerca das alterações introduzidas pela Lei 13.467/17 e declaração de inconstitucionalidade do §4º do art. 791-A da CLT por meio da ADI 5766; 4 Considerações Finais; Referências
1 INTRODUÇÃO
Com o advento do estado representativo, o sujeito soberano deixou de ser o príncipe investido por Deus ou o povo sob um aspecto coletivo e indivisível, e passou ser o sujeito individual e singular. Nessa esteira, surgiu o entendimento de que o sujeito, agora titular de direitos políticos próprios, passou a pressupor o estado, e não vice-versa.
Sob essa perspectiva, nasceu a democracia representativa, podendo ser definida como a tomada de decisões por meio de um representante político eleito pelo povo, através da maioria.
Dessa forma, diferentemente da democracia direta, inaplicável na atual sociedade diante da complexidade das relações e do número de indivíduos, por meio da democracia representativa os sujeitos elegem um representante, através da maioria, que irá deliberar em nome da coletividade que o elegeu.
Entendido o conceito de democracia representativa, cumpre esclarecer que o sistema democrático pressupõe a existência de uma série de regras, dentre as quais está a regra da maioria. O referido conjunto de regras procedimentais, é denominado por Norberto Bobbio como “regras do jogo”.
Nesse sentido, Bobbio explica que, nos sistemas políticos democráticos, a regra da maioria é aplicada tanto para eleger os que serão detentores do poder de tomar decisões que afetam a sociedade, como para fixar as deliberações dos órgãos colegiados supremos (BOBBIO, 2003, p. 261).
Ocorre que, nesse contexto, a regra da maioria implica na tomada de decisões pautada na grande massa, de forma a suprimir o desejo e as necessidades das minorias, que permanecem excluídas do polo decisional.
Em contrapartida, partindo do pressuposto de que a democracia pressupõe a soberania popular, sendo “povo” reconhecido como pluralidade e “popular” como povo no poder, o exercício da regra da maioria de forma exclusiva implicaria em uma lógica antidemocrática.
Justamente por essa razão, a fim de trazer o equilíbrio entre a regra da maioria e a democracia, se faz necessário existir um instrumento contramajoritário que impeça a exclusão dos interesses da minoria dentro da atual forma de governo, qual seja a democracia representativa, e o consequente respeito aos princípios constitucionais.
Nessa toada, a jurisdição constitucional, especialmente por meio do controle de constitucionalidade, mostra-se como principal elemento limitador da vontade da maioria, impedindo seu absolutismo e a afronta à democracia.
Dessa forma, o presente artigo científico visa evidenciar a forma como a introdução do art. 791-A, §4º da CLT se deu através da regra da maioria, em virtude da democracia representativa, e como o julgamento da ADI 5766 se mostrou um instrumento contramajoritário necessário para limitar a vontade da maioria, garantindo o respeito a preceitos constitucionais, resguardando o efetivo exercício da democracia.
2 ANÁLISE CRÍTICA DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA CONTEMPORÂNEA.
Os últimos acontecimentos na política brasileira após as eleições presidenciais de 2022 fizeram rememorar a importância de se manter viva e permanente a discussão sobre o nosso regime de governo e refutar toda e qualquer ideia que permeie o totalitarismo ou o autoritarismo. Churchill mais uma vez foi constantemente lembrado ao se bravar que as vicitudes da democracia não permitem tirá-la da condição de melhor regime pensado pelo homem até a contemporaneidade.
As várias faces da democracia trazem um elemento central, que é o direito de cada indivíduo escolher, de forma livre e consciente, os rumos que o estado deve seguir. Essa participação nas escolhas públicas possui uma variação descomunal de sociedade para sociedade e no decorrer do tempo, sendo indicado como seu nascedouro o modelo ateniense da era antiga.
Historicamente, concebida como a forma mais direta de participação popular da história, os cidadãos atenienses eram reunidos na Ágora para deliberarem diretamente sobre cada rumar estatal. A Eclésia3 consistia no mais amplo instrumento de consulta popular já narrado na história ocidental, tendo como atribuição deliberar sobre os caminhos da polis4. Embora o Conselho de Bulé detivesse competências que acabavam por condicionar as manifestações da Eclésia, haviam inúmeras críticas sobre o limitado universo dos detentores
3 Assembleia popular que reunia os cidadãos com direitos políticos de Atenas, era formada pelos homens com mais de 30 anos de idade, que fossem Atenienses e filhos de pai e mãe Atenienses.
4 Cidade-estado. Na Grécia Antiga, a pólis era um pequeno território localizado geograficamente no ponto mais alto da região, e cujas características eram equivalentes a uma cidade. O surgimento da pólis foi um dos mais importantes aspectos no desenvolvimento da civilização grega.
dos direitos políticos, não podendo negar que essa foi uma arena em que o poder da multidão era estrondoso.
À vista disso, o elemento da maioria presente na concepção basilar da democracia é algo que merece algumas considerações. A primeira é justamente relativa a tradição das sociedades, desde a mais antiga a mais atual, de segregar aqueles possuem o direito ao sufrágio. Como mencionado acima, na democracia ateniense os cidadãos eram formados por homens livres, acima de 30 anos e que tivessem o vínculo direto e regressivo com Atenas. Os estrangeiros, as mulheres, as crianças e os escravos não detinham o direito de participarem da vida estatal, ainda que a atuação do estado interferisse diretamente em suas vidas.
Mesmo no caminhar das democracias contemporâneas, conseguimos visualizar que o direito ao voto ainda é restritivo e o seu alcance decorre de lutas históricas e de concessões direcionadas, como anota Alexander Keyssar em sua obra “O Direito de Voto: a controversa história da democracia nos Estados Unidos”. Alguns grupos excluídos do direito de participação popular acabam por conseguir o direito ao voto como resultado do interesse do grupo detentor do poder. A multidão é formada não pelo conjunto integral de viventes em uma determinada sociedade, mas por aqueles que possuem a capacidade de defenderem os valores e os interesses de quem lhes deu o poder deliberativo.
O cuidado perene na democracia deve ser de, como já trabalhado por Tocqueville e por Bobbio, não instituir uma espécie de modelo autoritário formado pela maioria, em que os possuidores do direito de voto possam, pelo simples critério da maioria, imporem a vontade para todos os demais. Nesse aspecto, os mecanismos contramajoritários são tão relevantes em uma democracia quanto o próprio direito ao voto.
Com o receio de o pensamento não ficar o máximo linear e compreensivo possível, fazemos apenas uma pausa no raciocínio para retomar aos modelos democráticos, repisando que a estruturação apresentada em Atenas é inequivocamente inviável em uma sociedade complexa como a atual.
Com o avanço e aumento da complexidade social, o modelo de democracia direta passou a transitar apenas no imaginário ideológico de estudiosos mais utópicos e nostálgicos, desvelando-se como modelo inviável de implementação, ao menos na forma como fora concebido na cidade estado grega. A escolha que antes era direta acerca dos caminhos a serem
trilhados pela pólis, deu lugar para uma ideia de exercício democrático por representação, através do qual o cidadão outorga poderes a um terceiro para discutir e deliberar em seu nome.5
5 “A expressão democracia representativa significa genericamente que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte mas por pessoas eleitas para esta finalidade. (BOBBIO, 2000, p. 56)”
Os modelos atuais, como o brasileiro, ainda adotam algumas circunstâncias em que o cidadão pode participar diretamente da deliberação, como o vivenciado em Belo Horizonte pelo orçamento participativo ou mesmo pelos instrumentos constitucionais, como a lei de iniciativa popular, o plebiscito e o referendo. Certo é que na democracia representativa deve haver mecanismos que resguardem a todos os núcleos sociais terem os seus interesses e direitos garantidos.
O próprio modelo eleitoral brasileiro, embora muito criticado, acaba por exercer esse papel contramajoritário, ao resguardar nas eleições proporcionais que determinado grupo ideológico, mesmo com baixa votação individual, esteja devidamente representado.
Outra forma de garantir a não instalação de uma ditadura da maioria, como ocorreu no regime nazi-fascista da Alemanha de Hitler, é o papel do Poder Judiciário de afastar a aplicabilidade de uma determinada lei por ela afrontar ao texto constitucional. Ainda que uma lei passe pelo rito formal de elaboração, simbolizando a vontade social majoritária daquele momento, não se desvela como minimamente lídima a pretensão de subjugar, por exemplo, determinado grupo social, cabendo ao Judiciário o papel de retomar e defender os valores primários do texto constitucional.
O controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil, portanto, assume também um papel de proteção das minorias, não permitindo que uma maioria (seja sob a perspectiva numérica ou econômica) crie um conjunto normativo que impede o desenvolvimento da minoria.
Dessa forma, passaremos a analisar as alterações introduzidas pela reforma trabalhista demonstrando como o julgamento da ADI 5766 se mostrou um instrumento contramajoritário necessário para limitar a vontade da maioria, garantindo o respeito a preceitos constitucionais, resguardando o efetivo exercício da democracia.
3 BREVE PANORAMA ACERCA DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 13.467/17 E DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO §4º DO ART. 791-A DA CLT POR MEIO DA ADI 5766
Como acima exposto, a democracia representativa pressupõe uma série de procedimentos, dentre os quais se destaca a regra da maioria.
No processo legislativo, a regra da maioria se evidencia pelo próprio procedimento de tramitação e aprovação das leis ordinárias, que são aprovadas com a maioria simples dos votos, desde que presentes no Plenário a maioria absoluta dos deputados.
Nessa linha, a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), aprovada pelo Congresso Nacional por 50 (cinquenta) votos a favor, 26 (vinte e seis) contrários e uma abstenção, trouxe diversas mudanças de extrema relevância na CLT, fato que gerou reflexos tanto no âmbito do Direito do Trabalho, quanto no âmbito do Direito Processual do Trabalho (devido a seu caráter instrumental).
Dentre as mudanças trazidas, a introdução do art. 791-A, §4º da CLT que trouxe a possibilidade de responsabilização do empregado ao pagamento de honorários advocatícios no caso de sucumbência, ainda que este seja destinatário do benefício da justiça gratuita, gerou grande debate na seara jurídica no que tange ao possível impacto no acesso ao poder judiciário pela parte hipossuficiente.
De um lado, há o entendimento de que o referido artigo criou um obstáculo de natureza econômica para o acesso à especializada por parte do empregado, violando, por conseguinte, o Princípio do Acesso Individual e Coletivo à Justiça.
Isso porque, partindo do pressuposto de que é vedado a qualquer pessoa, estado ou órgão criar qualquer tipo de limitação ou impedimento ao acesso do cidadão ao poder judiciário, conclui-se por dedução, que a aplicação dos honorários ao empregado sucumbente na demanda, ainda que goze do benefício da justiça gratuita, fere o princípio supramencionado, uma vez que cria um obstáculo de natureza econômica para o acesso à justiça por parte do empregado.
Nesse sentido, segundo BEZERRA LEITE (2021,p.89):
Na mesma linha, o art. 791-A da CLT (com redação dada pela Lei n. 13.467/2017), ao dispor que o trabalhador, ainda que destinatário do benefício da justiça gratuita, terá que pagar honorários advocatícios no caso de sucumbência recíproca, certamente cria obstáculos de natureza econômica para o acesso à Justiça.
Deste modo, se considerarmos a condição financeira precária da maior parte dos trabalhadores do Brasil, é possível inferir que os elevados riscos financeiros-econômicos de se
demandar na Justiça do Trabalho após a Reforma Trabalhista representam notório obstáculo ao acesso à justiça por essa parcela da população. Assim dispõe DELGADO (2017,p. 327):
É que o conjunto normativo constante do art. 791-A, caput e §§ 1º até 5º, da CLT – se lido em sua literalidade -, pode inviabilizar o direito e a garantia constitucionais fundamentais constitucionais da justiça gratuita (art. 5º,XXXV, CF) e o direito, garantia e princípio constitucionais fundamentais do amplo acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF) relativamente à grande maioria das pessoas físicas dos trabalhadores do País. Isso em decorrência dos elevados riscos econômico-financeiros que passam a envolver o processo judicial trabalhista, particularmente para as pessoas destituídas de significativas (ou nenhuma) renda e riqueza.
Em contrapartida, corrente diversa argumenta que a alteração foi benéfica para o direito e para a Justiça do Trabalho por dois motivos: Primeiro, porque diminuiu o ajuizamento de demandas irresponsáveis e excessivas por parte dos trabalhadores, fato que ocasionou uma diminuição significativa no número de processos. Segundo, porque é uma forma de garantir a remuneração do advogado pelo desempenho e zelo que despendeu na demanda judicial.
De todo modo, a fim de embasar a análise, cumpre esclarecer que, com a introdução do referido artigo, firmou-se o entendimento de que os honorários sucumbenciais, outrora uma exceção, passaram a ser a regra geral no Processo do Trabalho, prevendo a possibilidade de aplicação imediata do ônus sucumbencial ao empregado que goze do benefício da justiça gratuita, caso aufira em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa.
Um ponto de extrema relevância a se destacar nesse sentido é o de que, caso o empregado não obtenha em juízo créditos capazes de suportar o pagamento dos referidos honorários, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 2 (dois) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade.
Decorrido o prazo de 2 (dois) anos sem ter sido comprovado pela parte vencedora que a situação de hipossuficiência da parte sucumbente deixou de existir, restará extinta a obrigação de arcar com os honorários sucumbenciais.
Fato é que, após a aprovação da referida lei ordinária, a temática vinha sendo aplicada a todos os processos ajuizados após a entrada em vigor da Lei 13.467/17, sendo tal
entendimento sedimentado pela Resolução 221 do TST, que aprovou a Instrução Normativa nº 41.
Todavia, em decorrência do entendimento de que a introdução do §4º violava frontalmente o princípio do acesso individual e coletivo à justiça, foi proposta em 2017 a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5766 impugnando, dentre outros aspectos, a condenação imediata do empregado ao ônus sucumbencial, caso tenha auferido em juízo créditos capazes de suportar a despesa.
Após quase 2 (dois) anos na corte, em 20/10/2021 o STF julgou parcialmente procedente a ADI, declarando a inconstitucionalidade da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa” constante no §4º do artigo em análise.
Desta feita, a partir de tal entendimento, na hipótese da parte sucumbente ser beneficiária da Justiça Gratuita, ainda que esta tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar o ônus de sucumbência, estes não poderão mais ser utilizados para quitar os valores de forma imediata, ficando a obrigatoriedade suspensa pelo período de 2 (dois) anos após o trânsito em julgado da decisão, sendo de exclusiva responsabilidade da parte vencedora comprovar a cessação da hipossuficiência para que possa haver o pagamento do valor devido.
Trazendo o fato para análise na perspectiva do presente artigo, a decisão proferida pelo STF concretizou o papel contramajoritário do poder judiciário, exercido por meio do controle de constitucionalidade, como mecanismo de garantia do sistema democrático, impedindo a supremacia do poder da maioria com a consequente exclusão dos interesses dos grupos minoritários que, no caso em comento, é a parte hipossuficiente da relação de emprego.
Isto porque, como é de notório saber, a reforma trabalhista foi direcionada principalmente para os interesses da classe empregadora, fato que é evidenciado, inclusive, pelo processo de aprovação estranhamente rápido, uma vez que o trâmite em ambas as casas legislativas ocorreu no prazo de aproximadamente 7 (sete) meses, incluindo períodos de recesso.
Dessa forma, a aprovação pela regra da maioria, apesar de teoricamente democrática por respeitar o trâmite formal de elaboração, evidenciou de certa maneira o que chamamos, no tópico anterior, de ditadura da maioria, sendo suprimidos direitos e princípios constitucionais basilares inerentes a minoria.
O controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil cumpriu o papel do Poder Judiciário de afastar a aplicabilidade da referida previsão legal por afrontar ao texto constitucional, assumindo o papel de proteção das minorias, não permitindo que uma maioria (econômica no presente caso) criasse um conjunto normativo que impedisse o desenvolvimento dos direitos constitucionais da minoria.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A democracia representativa possui como elemento basilar a regra da maioria, por meio da qual o povo escolhe um representante para figurar no polo decisional, refletindo os desejos e necessidades dos eleitores. A referida regra permeia todo o atual regime de governo, perpassando não apenas no momento da eleição do representante, mas também por diversas deliberações.
Ocorre que a maioria pode, em alguma medida, implicar na supressão da minoria, instituindo uma espécie de modelo autoritário em que os possuidores do direito de voto possam, pelo simples critério da maioria, imporem a vontade para todos os demais. Nesse aspecto, os mecanismos contramajoritários são tão relevantes em uma democracia quanto o próprio direito ao voto.
No presente artigo, buscou-se evidenciar a imprescindibilidade do controle de constitucionalidade exercido pelo STF, através do julgamento da ADI 5766, como forma de assegurar a efetividade da democracia, evitando-se a instauração de um modelo autoritário liderado pela maioria que suprimisse direitos constitucionalmente assegurados, anulando a necessidade das minorias, como havia ocorrido após a implementação do art. 791-A, §4º da CLT.
Como é de notório saber, a reforma trabalhista foi direcionada principalmente para os interesses da classe empregadora. Dessa forma, a aprovação pela regra da maioria, apesar de teoricamente democrática por respeitar o trâmite formal de elaboração, evidenciou de certa maneira o que chamamos de ditadura da maioria, sendo suprimidos direitos e princípios constitucionais basilares inerentes a minoria.
Nesse aspecto, o controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil cumpriu o papel contramajoritário do Poder Judiciário de afastar a aplicabilidade da referida previsão legal, assumindo o papel de proteção das minorias, não
permitindo que uma maioria (econômica no presente caso) criasse um conjunto normativo que impedisse o desenvolvimento dos direitos constitucionais da minoria.
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